OS HOMENZINHOS DE GRORK
Luís Fernando Veríssimo
A ficção científica parte de alguns pressupostos,
ou preconceitos, que nunca foram devidamente discutidos. Por exemplo: sempre
que uma nave espacial chega à Terra vinda de outro planeta, é um planeta mais
adiantado do que o nosso. Os extraterrenos nos intimidam com suas armas
fantásticas ou com sua sabedoria exemplar. Pior do que o raio da morte é o seu
ar de superioridade moral.
A civilização deles é invariavelmente mais
organizada e virtuosa do que a da Terra e eles não perdem a oportunidade de nos
lembrar disto. Cansado de tanta humilhação, imaginei uma história de ficção
diferente. Para começar, o Objeto Voador Não Identificado que chega à Terra,
descendo numa planície do Meio-Oeste dos Estados Unidos, chama a atenção por um
estranho detalhe: a chaminé.
― Vi com estes olhos, xerife. Ele veio numa
trajetória irregular, deu alguns pinotes, tentou subir e depois caiu como uma
pedra.
― Deixando um facho de luz atrás?
― Não, um facho de fumaça. Da chaminé.
― Chaminé? Impossível. Vai ver o alambique do velho
Sam explodiu outra vez e sua cabana voou.
― Não. Tinha o formato de um disco voador. Mas com
uma chaminé em cima.
O xerife chama as autoridades estaduais, que cercam
o aparelho. Ninguém ousa se aproximar até que cheguem as tropas federais. Um
dos policiais comenta para outro:
― Você notou? A vegetação em volta...
― Dizimada. Provavelmente um campo magnético
destrutivo que cerca o disco e...
― Não. Parece cortada a machadinha. Se não fosse um
absurdo eu até diria que eles estão colhendo lenha.
Nesse instante, um segmento de um dos painéis do
disco, que é todo feito de madeira compensada, é chutado para fora e aparecem
três homenzinhos com machadinhas sobre os ombros. Os três saem à procura de
mais árvores para cortar. Estão examinando as pernas de um dos policiais,
quando este resolve se identificar e aponta um revólver para os homenzinhos.
― Não se mexam ou eu atiro.
Os homenzinhos recuam, apavorados, e perguntam:
― Atira o quê?
― Atiro com este revólver.
O policial dá um tiro para o chão como
demonstração. Os homenzinhos, depois de refeitos do susto, aproximam-se e
passam a examinar a arma do policial, maravilhados. Os outros policiais saem de
seus esconderijos e cercam os homenzinhos rapidamente. Mas não há perigo. Eles
querem conversa. Para facilitar o desenvolvimento da história, todos falam
inglês.
― Vocês não conhecem armas, certo? ― quer saber um
Policial. ― Estão num estágio avançado de civilização em que as armas são
desnecessárias. Ninguém mais mata ninguém.
― Você está brincando? ― responde um dos
homenzinhos. ― Usamos machadinhas, tacapes, estilingue, catapulta, flecha,
qualquer coisa para matar. Uma arma como essa seria um progresso incrível no
nosso planeta. Precisamos copiá-la!
Chegam as tropas federais e diversos cientistas
para examinarem os extraterrenos e seu artefato voador. Começam as perguntas.
De que planeta eles são? De Grork. Como é que se escreve? Um dos homenzinhos
risca no chão: GRRK.
― Deve faltar uma letra ― observa um dos
cientistas.
― O "O".
― O "O"?
― Assim ― diz o cientista da Terra, fazendo uma
roda no chão.
O homenzinho examina o "O". As
possibilidades da forma são evidentes. A roda! Por que não tinham pensado nisso
antes? Voltarão para o Grork com três idéias revolucionárias: o revólver, a
roda e a vogal. Querem saber onde estão, exatamente. Nunca ouviram falar na
Terra. Sempre pensaram que seu planeta fosse o centro do universo e aqueles
pontinhos no céu, furos no manto celeste. Sua viagem era uma expedição
científica para provar que o planeta Grork não era chato como muitos pensavam e
que ninguém cairia no abismo se passasse do horizonte. Sua intenção era navegar
até o horizonte.
Pois é. Alguma coisa deu errado.
Tinham descido na Terra, porque faltara lenha para
a caldeira que acionava as pás que moviam o barco. Então aquilo era um barco?
Bom, a idéia fora a de fazer um barco. Só que em vez de flutuar, ele subira. Um
fracasso. Os homenzinhos convidam os cientistas a visitarem a nave. Entram pelo
mesmo buraco de madeira da nave, que depois é tapado com uma prancha e a
prancha pregada na parede. Outra boa idéia que levarão da Terra é a da
dobradiça de porta.
O interior da nave é todo decorado com cortinas de
veludo vermelho. Há vasos com grandes palmas, lustres, divãs forrados com
cetim. Um dos homenzinhos explica que também tinham um piano de cauda, mas que
o queimaram na caldeira quando faltou lenha. Tudo do mais moderno.
― E que mensagem vocês trazem para o povo da Terra?
― pergunta um dos cientistas.
Os homenzinhos se entreolham. Não vieram
preparados. Mas como a Terra os recebeu tão bem, resolvem revelar o segredo
mais valioso da sua civilização. A fórmula de transformar qualquer metal em
ouro.
― Vocês conseguiram isso? ― espanta-se um
cientista.
― Ainda não ― responde um homenzinho ― mas é só uma
questão de tempo. Nossos cientistas trabalham sem cessar na fórmula, queimando
velas toda a noite.
― Velas? Lá não há eletricidade?
― Elequê?
― Eletricidade. Energia elétrica. As coisas lá são
movidas a quê?
― A vapor. É tudo com caldeira.
― Mas isso não é incômodo?
― Às vezes. O barbeador portátil, por exemplo.
precisa de dois para segurar. Mas o resto...
Oi, flor.
ResponderExcluirLuís Fernando é tudo *-*
Adoro os textos dele.
Sempre nos fazendo refletir :)
Beijinhos
http://fulanaleitora.blogspot.com.br
Fernando realmente é tudo!
ResponderExcluirAdorei Jess!
Bjs
Muito bom Jéssica, parabéns pelo poste.
ResponderExcluirhttp://fernandabizerra.blogspot.com.br/
Beijokas!
Excelente. Parabéns!!!
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