Por
Jana Lauxen.
Pessoalmente, eu só acredito em
uma literatura capaz de tirar o leitor do lugar onde ele confortavelmente está.
Um livro conveniente, onde você só lê o que lhe interessa, e que apenas reforça
e alimenta suas próprias crenças e convicções – geralmente já engessadas – tira
da literatura sua principal força: o poder de incomodar.
Dito isto, posso afirmar sem
medo de errar que a obra Cartas de Zi
(Editora Multifoco, 2014, R$35), da escritora paulista Denise Sintani, fez por
mim o que eu espero que os livros façam: tirou o meu sossego. Arrancou-me da
posição tranquila e segura onde eu alegremente me encontrava. Esbofeteou a
minha cara. Judiou de mim. E eu adorei.
Não que eu seja uma leitora
masoquista; longe disso. Mas a força da literatura reside justamente em sua
capacidade de nos colocar a pensar sobre o que não gostaríamos de pensar. Em
nos obrigar a olhar nos olhos daquela pessoa estranha e familiar refletida no
espelho – e quando olhamos para ela, sabemos: ela também olha para nós.
Cartas
de Zi é um livro de contos aparentemente independentes, mas
interligados pelas cartas que Zi escreve ao seu amante casado. Através da
percepção dos diferentes personagens envolvidos nesta relação clandestina – o
amante, seu filho mais velho, a sogra, a esposa e, claro, a própria Zi – a obra
levanta questões que permeiam e perturbam o que chamamos de sociedade
contemporânea: nossa hipocrisia, nossas aflições, nossos medos, nossa
mediocridade e superficialidade.
No entanto, apesar de colocar
seu dedo nas feridas alheias, Zi também possui suas próprias feridas – e não
tenta escondê-las e nem disfarçá-las; ao contrário. Ela também expõe suas
incoerências e inseguranças, dispensando a elas a mesma aura sarcástica e
debochada que usa para exibir e analisar os conflitos pessoais de todos que
estão em sua volta.
Zi chafurda em lugares nos
quais evitamos sequer olhar, e evidencia o que tentamos esconder. Através de
uma personalidade desobediente e politicamente incorreta, Zi provoca não
somente os que a rodeiam; mas também os leitores que, por acaso, caírem nas
malhas de suas divagações provocantes e absolutamente sedutoras.
Por conta disso, Zi não admite
meio-termo: você irá amá-la ou odiá-la com a mesma intensidade. E tudo
dependerá da imagem que você verá refletida no espelho lindo e cruel que Zi
colocará na sua frente.
Acredito que o maior mérito da
autora Denise Sintani seja fazer com que seu leitor olhe-se e, mais do que
isso, enxergue-se. Não da maneira que lhe convém, mas da maneira que é: sem
maquiagem, sem subterfúgios, sem ilusões.
É visível o interesse de Denise
Sintani pelo conflito que faz cativo todo ser humano – seja de que ordem for
este conflito. Denise empenha-se, com louvor, em desnudar e expor os becos
escuros e as vielas íngremes da psique individual e intransferível de todos
nós.
Sua literatura perturba e
subverte porque fala diretamente com o leitor. Através da impertinência de Zi,
e da impertinência da própria autora, somos também atingidos e expostos,
obrigados a pensar e ponderar sobre o que gostaríamos de fingir que nem existe.
E por isso – só por isso – Cartas de Zi já é um livro do qual eu
sempre me lembrarei. Um livro que me fez olhar para o espelho que eu fingia não
ver, e reconhecer aquela que, refletida ali, também olhava para mim.
* A obra Cartas de Zi pode ser adquirida através do site da Editora
Multifoco (www.editoramultifoco.com.br)
por R$35.
** Leia trechos da obra Cartas de Zi neste link: www.escritoscontemporaneos.wordpress.com/pitadas-de-zi
Sobre a
Autora:
Jana Lauxen é escritora, editora e produtora cultural,
autora dos livros Uma Carta por Benjamin
(2009) e O Túmulo do Ladrão (2013).
E-mail para contato: osdezmelhores@gmail.com
Site: www.janalauxen.com
Por
Jana Lauxen
Gente, que resenha, que livro! Adorei, ultimamente eu tenho procurado livros e que eu me sinta confortável, afinal, foram tantos livros desconfortáveis que li que também poderia me passar por leitora masoquista. Porém dei um tempo nesse tipo de livro e voltei ao meu conforto, afinal tantos rostos diferentes me olharam no espelho que fiquei com saudade da minha cara hahahahahaha
ResponderExcluirOi Jéssica, não conhecia a autora e nunca havia ouvido falar na obra, mas a sua resenha foi capaz de despertar a minha curiosidade em relação a ela. Você demonstrou, através das palavras como essa leitura mexeu com você e faz a gente querer lê-la pra ver se ela fará isso conosco também. Gostei de sentir isso, parabéns pela resenha!
ResponderExcluirQue resenha linda! Concordo que o livro precisa movimenta e incomodar... Gostei de saber que são contos interligados e melhor, são carta para o amante. Possivelmente, iria adorar a leitura, não há dúvidas. Me parece um livro inteligente e instigante!
ResponderExcluirhttp://www.poesianaalma.com.br/